segunda-feira, 27 de julho de 2009

Vida Simples: Grandes expectativas (5/5)

"Na vida pessoal

O professor de Psicologia da Universidade de Harvard Daniel Gilbert tem uma teoria bastante interessante sobre por que tendemos a deixar escapar tanta expectativa pelas frestas dos nossos desejos. Segundo ele, tentamos o tempo todo prever os acontecimentos da vida. Desde o momento que abrimos os olhos de manhã conjecturamos como será nosso dia no trabalho, o trânsito, o encontro à noite. E, de acordo com Gilbert, isso traz um ganho para a sensação de felicidade.

Antecipar nossos prazeres é uma forma de prolongá-los. Começar a pensar naquela festa uma semana antes nos permite “experimentá- la” por sete dias, em vez de curti-la só no sábado. Prever a viagem de férias é uma forma de se entregar ao merecido período de recesso antes mesmo de bater o ponto e pegar o avião (além de ser um estímulo a mais para as horas de trabalho, claro).

A ressaca desse processo, porém, é que não somos muito bons em prever nada realisticamente. Assim, quando começamos a pensar na festa uma semana antes, vamos criando uma expectativa grande sobre ela, achando que vai ser um momento de alegria genuína. No entanto, quando a festa chega, ela pode nem ser tão legal assim – e aí o sentimento de frustração vem à tona.

“Os acontecimentos futuros que nossa mente antecipa como grandiosos são frequentemente uma grande decepção”, escreve Gilbert no livro O que nos Faz Felizes. E isso vale, óbvio, não só para festas, mas também para os relacionamentos, empregos, objetivos de vida. “Como não conseguimos prever o quão felizes nos sentiremos com algum acontecimento futuro, criamos uma série de fantasias sobre nossa concepção de felicidade.” E elas, na grande maioria das vezes, não se concretizam. Aí, haja decepção!

Mas, além de inevitável, criar expectativas é indispensável para nos motivar a viver. Mesmo que muitas vezes quebremos a cara com as ilusões que criamos, sem elas seria difícil levantar da cama de manhã. Se você não imagina que seu dia possa ser bacana, dificilmente vai querer enfrentá-lo. Ou se já esperar que a festa vai ser ruim, não vai encontrar uma razão sequer para se motivar a ir. Sem expectativas, nos tornamos apáticos, sem vontade. Exatamente o mesmo sentimento que acomete os que sofrem de um mal como a depressão, por exemplo, quando tudo parece desinteressante e desanimador.

Esse é o resultado, também, de decepções que enfrentamos ao longo do nosso caminho. Algumas parecem ser tão doídas que nos deixam sem qualquer fio de esperança. Principalmente quando nos decepcionamos com nós mesmos. Porque daí, além de enfrentar a desilusão, temos que encarar também a culpa. “Por que fui apostar tanto nisso?” “Eu sou mesmo um idiota de ter acreditado naquilo.”

A saída, nesses momentos, é tentar desanuviar a mente e perceber a constatação humilde e realista dos fatos. Sem exageros, sem estardalhaços. Assim, as dimensões de uma decepção como essa se reduzem às de um fato totalmente possível a pessoas normais como eu e você, que não temos obrigação (nem possibilidade) de ser perfeitas. Então, dê-se um desconto. Criar expectativas não é uma escolha, mas um caminho que temos que seguir. O melhor a fazer é aproveitar o trajeto da forma mais tranquila e plena. Assim, a chegada tende a ser sempre compensadora."


Essa foi a quinta e última parte da série. E também a que mais elucida, na minha opinião.
Nunca tinha parado pra pensar no que disse o professor de Harvard. Digo, já tinha me dado conta de que antecipo o que acontecerá ao longo do dia, mas nunca tinha relacionado isso com "ganho para a sensação de felicidade" ou como prolongamento da sensação de prazer. E, por extensão, isso afeta todo o conjunto da obra de que trata esta série.
O exemplo da festa foi mais do que ilustrativo. Tudo começa já na propaganda da festa: "Open Bar de blá, blá, blá, blá! Performances ao vivo! Mulheres vip até a meia-noite!", e por ai vai. Conjectura-se todo o andamento da festa, planejam-se falas, olhares, abordagens. No dia da festa, come-se bem, toma-se um banho mais caprichado, utiliza-se o perfume empoeirado e a roupa bonitinha. Com tantas preliminares, a coisa deveria ser boa. No entanto, ao menos no meu caso, observo o contrário. Haha. E quando me perguntam como foi a festa, brado afirmando ter sido "muito loca".

É engraçado na verdade...agora vejo o quanto sou metódico no meu trato com o dia-a-dia, talvez em função de estar dentro de uma rotina ou talvez em função da invenção do relógio. Planejar o dia se tornou natural e criar expectativas sobre esse planejamento se tornou automático. Sei que todo o dia pego o jornal na portaria da faculdade, e todo dia espero a mesma reação do porteiro. Sei que ao chegar em casa vou sentar no sofá e teimosamente circular pelos canais da televisão, e todo dia espero encontrar algum programa interessante.
Prego tanto o desapego, a despreocupação com o tempo, a vivência do presente, o já desgastado carpe diem, mas faço tanto o contrário...sempre tentarei me lembrar que antecipar felicidade também pode significar adiar e potencializar sofrimento. Se a felicidade vir, devo aproveitá-la enquanto durar, pois as coisas acontecem quando acontecem e é assim que é. Mas se o sofrimento vier, devo suportá-lo enquanto durar, pois as coisas acontecem quando acontecem e é assim que é.

Gostei da passagem "criar expectativas não é uma escolha, mas um caminho que temos que seguir", na minha opinião a melhor do texto.


ps. Os textos foram retirados de http://vidasimples.abril.com.br/edicoes/079/grandes_temas/conteudo_450012.shtml.

sábado, 25 de julho de 2009

Vida Simples: Grandes expectativas (4/5)





"Nos relacionamentos

Não há paixão sem idealização. O escritor francês Stendhal já sabia disso. No verão de 1818, ao fazer um passeio pelas minas de sal de Hallein, na Áustria, ele ficou encantado com o que viu. Os mineiros costumavam recolher galhos secos e sem folhas a armazená-los em locais de trabalho abandonados. Depois de um tempo, pelo efeito das águas saturadas de sal, esses galhos, após secarem, iam se cobrindo de cristais salinos, que lhes davam um efeito belíssimo. Os pedaços ficavam tão recobertos de sal que pareciam diamantes. Era quase impossível reconhecer que se tratava de galhos.

Stendhal percebeu ali uma metáfora para o amor romântico: no momento em que começamos a nos interessar por uma pessoa, não a vemos mais como ela realmente é, mas como nos agrada vê-la. A percepção real é tomada por idealizações que a transformam em poesia aos nossos olhos. “Dessa forma, sempre exageramos as qualidades da nossa paixão e acabamos subestimando as falhas e as características negativas que ela possa ter”, diz o psicólogo Thiago de Almeida, especialista em relacionamentos amorosos.

Esse poço de virtudes do nosso bem-amado vai se esvaindo conforme o conhecemos melhor. E, exatamente por termos pintado a pessoa como ideal demais, quando a descobrimos real ficamos decepcionados. O campo dos relacionamentos é o que mais carrega nos traços de uma idealização excessiva, por isso as frustrações amorosas são as mais sentidas. O amor é a coisa mais triste quando se desfaz (como dizia Vinícius) porque ele é idealizado como perfeito demais para se desfazer. Nossa primeira noção de amor vem da nossa mãe, do amor absoluto que não tem fim. “E alguns continuam a exigir o incondicional amor materno, fantasiado e disfarçado em relacionamentos amorosos adultos”, escreve a psicoterapeuta Judith Viorst no livro Perdas Necessárias. Na vida real, os relacionamentos acabam, se desfazem – aposto que todo mundo tem aí algo para contar sobre o fim de uma paixão.

Porém, o lado bom dessa história toda é que, se superada a idealização, o contentamento romântico tende a amadurecer em uma união profunda. O que era pura “cristalização” dá lugar a um relacionamento real. Para que ele sobreviva às expectativas fantasiosas, é preciso aceitar que os galhos não são cristais de sal. Deve-se gostar dos galhos justamente porque eles são galhos – independentemente da forma como estejam recobertos.

A melhor maneira de evitar desilusões é planejar com realismo suas metas.

Passada essa fase inicial, a próxima também tende a ser complicada: fazer o relacionamento dar certo a despeito das perspectivas que criamos com relação ao parceiro. Não existe segredo para isso, mas os especialistas aconselham que a honestidade pode ser uma boa saída para evitar frustrações. Ponha as cartas na mesa: deixe claro o que espera da relação e o que está disposto a fazer para ela dar certo – e em que não consegue ceder. Dessa forma, as expectativas tendem a ser mais realistas e não caímos na tentação de querer presumir o que o outro pensa ou deseja. Nem querer que o outro adivinhe o que esperamos dele."


Nesse temos de tudo, um escritor, um psicólogo, uma psicoterapeuta e, logicamente, Vinícius, que não poderia faltar quando o tema é esse.
Concordo com a quase totalidade do que foi dito. Apesar de (achar) seguir o manual da não-idealização e do realismo, não sei até ponto posso me ater a ele.
Ela é perfeita pra mim, e não sei quando vai deixar de ser. Talvez aconteça um dia, talvez não. Quem sabe?

Dos relacionamentos que já tive tirei lições das expectativas e frustrações. É como diz o texto, não podemos esperar que o outro adivinhe o que estamos pensando, o que estamos querendo, nem o que estamos planejando. A insegurança e o medo da coisa toda acabar fecham os olhos para o que poderia ser vivido, e muitas vezes acabamos com uma lista das coisas que achamos que temos que fazer, como se fôssemos seguir um manual, uma receita.
É preciso saber ceder, nem dar de menos e nem dar de mais. Mas é sempre preciso estar lá pra quem se ama.

Talvez o amor, como dizia Vinícius, seja mesmo a coisa mais triste quando se desfaz.
E ouçamos à voz de Gal Gosta.
 


Eu amei,
E amei ai de mim muito mais
Do que devia amar
E chorei
Ao sentir que iria sofrer
E me desesperar

Foi então
Que da minha infinita tristeza
Aconteceu você
Encontrei em você
A razão de viver
E de amar em paz
E não sofrer mais,
Nunca mais
Porque o amor
É a coisa mais triste
Quando se desfaz
O amor é a coisa mais triste
Quando se desfaz

Vida Simples: Grandes expectativas (3/5)

"No trabalho

Depois de 24 anos trabalhando em uma multinacional, Maria Cristina Scarpato resolveu deixar para trás a posição de gerente de qualidade e uma oferta de promoção para investir uma nova empreitada: abrir sua própria empresa. Apesar de ter chegado a um patamar que nove entre dez executivos almejam, ela se sentia estacionada na função. “Minha maior frustração era perceber que poderia ficar acomodada ou me tornar uma especialista que só serviria para um tipo de atividade para o resto da minha carreira”, diz ela.

Maria Cristina nadou contra a maré das expectativas profissionais da maioria das pessoas. Afi- nal, convencionou-se acreditar que o padrão para ser bem-sucedido está justamente em ter uma boa posição em uma grande empresa, com ótimos benefícios e, claro, um excelente salário.

Os sociólogos estudam algo que chamam de frustração social: uma decepção que não está ligada a uma situação objetiva, mas a uma percepção coletiva que se tem dela. Existem padrões sociais para tudo, inclusive para nossas carreiras. Muitas pessoas levam esses padrões a sério demais, e tendem a se sentir desiludidas – fracassadas até – se não os alcançam. “O padrão de cada um é determinado individualmente, cada pessoa tem um desejo, um objetivo diferente para sua vida”, afirma Emerson Ciociorowski, coach e autor do livro Executivo – O Super-homem Solitário.

A meta de Maria Cristina era compartilhar seus conhecimentos com outras pessoas, outras empresas. Hoje ela está muito mais satisfeita por ter batalhado pelo conceito que ela tinha de realização. “Agora viajo muito, algumas vezes tenho saudades de 30 dias de férias, mas sinto-me renovada, muito valorizada, útil e reconhecida”, afirma

Não é todo mundo que se sente assim. A principal frustração que assola os escritórios e empresas mundo afora está ligada ao reconhecimento. Ou, melhor dizendo, à ausência dele. Isso acontece, segundo Ciociorowski, por conta da falta de objetividade do que se espera de um funcionário. Como não sabe o que exatamente a empresa quer dele, ele acaba se esforçando demais e faz uma série de coisas que, de repente, não têm o menor valor. E isso gera uma decepção muito grande.

O primeiro passo para evitar essa sensação é saber o que a empresa almeja de você. Vale um papo franco com seu chefe para entender quais as suas reais atribuições. Se você quer ser promovido, mas isso não acontece, questione: que atributos são exigidos para o cargo? Será que tenho todas as habilidades e talentos necessários? “Temos que assumir a responsabilidade sobre nosso próprio desenvolvimento. Não adianta ficar desmotivado, culpando o outro por suas frustrações”, afirma o consultor.

A melhor maneira de evitar desilusões é planejar com realismo suas metas. O importante é procurar trabalhar em empresas que tenham os mesmos valores que os seus – ou até ser autônomo ou abrir seu próprio negócio se estiver difícil encontrar alguma empresa que se enquadre no que você acredita. Nossos valores são a base de todas as nossas escolhas. Ir contra eles é certeza de frustração."


Apenas dando continuidade à série. Não tenho muito o que falar aqui...

terça-feira, 21 de julho de 2009

Vida Simples: Grandes expectativas (2/5)




"Na família

É na infância que lidamos pela primeira vez com nossas frustrações: ter que largar a chupeta, não ganhar aquele brinquedo que pedimos, perder a atenção irrestrita com o nascimento do irmão. Nessa fase aparece em nosso caminho uma palavra chata que vai nos perseguir para sempre: “não!”. E é justamente a relação com ela que vai definir nosso controle emocional diante das negativas da vida. “As pessoas que ouviram pouco ‘não’ na infância têm muito mais dificuldade de aceitar uma recusa quando se desenvolvem e se tornam adultas”, afirma a filósofa e educadora Tânia Zagury.

Muitos pais evitam dizer “não” como forma de resguardar o filho de se frustrar. Como se fosse possível impedir que a criança se sinta desiludida vez ou outra. O grande problema é que, se uma pessoa não aprende desde cedo a conviver com a decepção em coisas cotidianas, vai ter sérias dificuldades para lidar com o fim de um relacionamento ou não ser aceito em um trabalho.

Na mesma medida que é importante ensinar os filhos a conquistarem o que querem, é imprescindível também mostrar que nem tudo que se quer pode ser conquistado. Nesse sentido, a frustração coloca nossos pés no chão, mostrando que a realidade dos fatos, na maioria das vezes, está muito longe daquela que idealizamos. “A frustração é pintada como algo ruim, que se deve evitar. Ao passo que, se bem trabalhada, ela pode ser bastante positiva para o crescimento pessoal, para o amadurecimento psíquico e o aprimoramento das relações de um indivíduo”, diz Tânia.

Desde pequena Melissa Rondon teve que conviver com a decepção de não conhecer o pai. Quando a mãe dela ainda estava grávida, eles brigaram e ele nunca mais apareceu. Aos 12 anos, ela resolveu que queria conhecê-lo, tentar resgatar uma relação mesmo que tardia. Com a ajuda de uma tia, ela conseguiu contatá-lo e marcaram um encontro. Mas de novo teve que enfrentar a frustração. O pai tinha outra família e não estava disposto a assumi-la para a esposa e os novos filhos. A rejeição foi um balde de água fria na expectativa de Melissa. “Quando o procurei, achei que teria um pai de verdade, que me ligasse, que pudesse sair comigo para conversar, que se preocupasse. Não alguém que quisesse uma relação assim, escondida”, diz.

Hoje, aos 25 anos, Melissa garante que superou bem a desilusão justamente por não ter idealizado tanto o pai. “Não podia esperar muito de alguém que nunca se esforçou para me conhecer.” É comum as crianças verem seus pais e mães como deuses, infalíveis e perfeitos. Mas, à medida que crescem, percebem que essa imagem não é real, que eles têm defeitos, limitações – e se frustram. Nas relações familiares, as decepções estão principalmente ligadas a padrões que criamos. O pai que quer que o filho seja algo que ele não é, o filho que espera que a mãe seja mais carinhosa. “O segredo é aceitar que nossos familiares são pessoas com visões diferentes das nossas idealizações”, aconselha o terapeuta familiar americano David Niven. E ele conclui: “Não estrague sua vida familiar estabelecendo padrões que você criou para ela”."


Sempre que converso de família com alguns de meus amigos, surgem citações a Freud. Um ou outro muito raramente arrisca citar algum outro autor das coisas da psique. Eu, como bom estudante de economia, não entendo absolutamente nada de Freud ou das ciências da psique. O máximo que chego a discursar sobre a natureza humana trata da racionalidade maximizadora do homem. Que vergonha meu Deus.

Pois bem, acho que no que concerne à família não tive tantas expectativas e/ou frustrações. Não que nunca tivesse passado pela minha cabeça o sentimento de querer que meu pai ou minha mãe fossem diferentes em alguns aspectos. Mas penso que isso não afetou substancialmente a maneira como os encarava. Creio que aprendi - e já há algum tempo - a aceitá-los como são. Já baseio minhas ações em expectativas reais, fruto de curtos 20 anos de convivência com eles. Sei, ao menos parcialmente, até onde posso ir e como posso ir.
Mas também nunca tive uma experiência como a da Melissa da reportagem, meu pai sempre esteve ao meu lado.

Tenho expectativas, aí sim, diante da minha capacidade de formar uma família. E certamente terei frustrações. Coisas que hoje considero negativas na minha relação pai-filho podem ser repetidas no futuro. E pior que junto dessa frustração vem o sentimento de culpa.
Mas antecipar isso parece forçar um pouco a barra, afinal de contas quem sou eu pra ter certeza do que é bom ou ruim numa relação familiar?
Mas como diz Álvaro de Campos naquele trecho de Tabacaria, "Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo".

E o sonho de ter uma família unida e que se dê bem é um dos meus sonhos nesse mundo. Independentemente das expectativas e das frustrações.

sábado, 18 de julho de 2009

Vida Simples: Grandes expectativas (1/5)

Atrasei no horário marcado para o corte de cabelo. Tive que aguardar então uma brecha na conturbada escala de horários em cima da mesa, nada mais justo. Sentei, olhei para os lados...olhei pra baixo, pra cima...
A fim de fazer o tempo passar, pedi cordialmente uma xícara de café. Mas o tempo não passou. A coerção da espera e das pessoas conversando salão adentro foi grande e me forçou a folhear as revistas dispostas na estante. As opções eram vastas: Caras, RSVP, uma Saúde e uma Vida Simples.
Abri a Saúde, mas fechei alguns segundos depois, a reportagem sobre alimentos cancerígenos me irritou. Como relutei desde pequeno em abrir uma Caras, peguei a Vida Simples.
De capa provocativa (a pergunta era "Você está frustrado?"), a revista me atraiu com uma reportagem sobre expectativas e frustrações, tema recorrente nos posts desse blog.

Segue a reportagem, que se divide em áreas da vida moderna: vida pessoal, relacionamentos, trabalho e família. O texto é meio auto-ajuda...mas quem não aprecia um auto-ajuda de vez em quando?

"Grandes expectativas

Administrar nossas esperanças e perspectivas diante da vida pode ser uma boa forma de lidar com as frustrações que invariavelmente vão surgir em nosso caminho.

Existe uma lição universal: nem tudo na vida acontece da maneira como queremos ou desejamos. Alguns aprendem isso no dia a dia, vendo que o trânsito não vai andar só porque se está com pressa, que aquele filme nem sempre vai ser bom porque se apostava que ele fosse, que as pessoas de quem gostamos vão nos magoar de vez em quando, mesmo que quiséssemos evitar isso.
Já outros têm que passar por situações mais delicadas para constatar a mesma verdade: ver um relacionamento acabar, perder alguém querido, ser demitido depois de anos de dedicação à empresa. Mas ninguém, em todos esses casos, discorda de como é difícil encontrar obstáculos no caminho da realização de um desejo. Mas, se a gente sabe disso de cor e salteado, por que é que ainda sofremos tanto quando temos uma vontade frustrada?

A resposta está no fato de que tendemos a idealizar demais as coisas, criar grandes expectativas sobre tudo. É normal – e até imprescindível – nos rodearmos de expectativas. O problema é que, na maior parte das vezes, essas expectativas são tão elevadas que o confronto com a realidade é uma desilusão. E acabamos sofrendo com isso. No entanto dá, sim, para tolerar melhor a frustração que surge desse processo. É sobre isso que vamos falar a seguir.

Mas espera lá: antes que você crie esperanças demais sobre essa reportagem, vale deixar claro que nosso objetivo não é dar respostas prontas. Até porque cada um lida com as suas decepções de maneiras diferentes. Queremos mostrar que dá para colocar as frustrações para trabalhar a nosso favor no trabalho, na vida pessoal, nos relacionamentos e até nas relações familiares.
Tudo para você chegar ao fim do texto refletindo melhor sobre o que fazer quando algo contrariar suas expectativas. Sem grandes decepções."


Vou arriscar algumas palavras ao final de cada citação. Essa na verdade é a introdução da reportagem, parte da seção "Grandes Temas".
A pergunta indaga por que sofremos quando vemos uma vontade frustrada, mesmo tendo conhecimento de que as coisas não acontecem como queremos ou desejamos. A resposta replica dizendo que o problema é o fato de tendermos a idealizar demais as coisas, a criar grandes expectativas sobre tudo. Segundo o autor, rodear-se de expectativas está dentro da normalidade. Ainda bem.

Mas a pergunta não cala. Por que nos frustramos? Por que, mesmo sabendo que as coisas podem não acontecer como queremos, nos frustramos? Talvez a resposta esteja na própria pergunta.
Sim, sabemos que as coisas podem não acontecer da maneira como queremos que aconteçam. Mas isso não nos impede de querer que elas aconteçam da forma que queremos...

Vejamos, nos próximos posts, o que a reportagem tem a dizer sobre família, relacionamentos, trabalho e vida pessoal.

domingo, 12 de julho de 2009

Kozure Ookami

"Quando não se há mais nada a perder, quando tudo o que possuímos nos é tomado e tudo em que acreditávamos nos é negado, certamente somos obrigados a rever certos princípios. Mais do que frustração ou desespero, a sensação mais visceral é a necessidade de identificar o que é realmente necessário para a vida. Nem luxos, nem posição, nem reconhecimento, nem mesmo o pão de cada dia. O que importa, de fato, é a motivação que nos faz seguir adiante. Contentar-se apenas em sobreviver e, com isso, ter somente uma pseudo-vida? Ou estabelecer uma meta, mesmo que irreal ou inalcançável, para, ao menos, ter com o que sonhar?"


Itto Ogami teve sua mulher assassinada e seu cargo político comprometido. Era executor do shogun, um dos cargos de maior prestígio no Japão do sec. XVII. Tendo o nome de sua família desonrado, Ogami escolhe trilhar o meifumado, literalmente o caminho do inferno, e viver em meio à morte e à vingança. Seu filho, Daigoro, também se vê diante de uma escolha.

"Daigoro! Você deve achar seu próprio caminho! Escolha a dotanuki e junte-se ao seu pai na estrada do assassino. Escolha a temari e eu te mandarei para junto de sua mãe em yomi, a terra dos espíritos."


O pequeno Daigoro escolhe a espada, e sem hesitar passa a seguir o pai e a trilhar o meifumado. A relação dos dois é uma das coisas que mais impressiona na história.

"Um pai conhece o coração do filho, como só o filho conhece o do pai. Um estranho não entenderia", diz o ex-executor.


Há capítulos só sobre o filho, sobre como ele lida com situações adversas. É praticamente impossível descrever a profundidade e a genialidade com que o autor desenvolve a história. A descrição psicológica das personagens é fantástica, ainda mais aliada aos traços únicos de seu desenho. A fidelidade histórica e a seriedade da abordagem impressionam. Ainda mais a mim, com raso conhecimento de histórias em quadrinhos.

O trecho citado no topo do post é parte da introdução do volume 5 de "Lobo Solitário", uma verdadeira obra de arte sob a tutela de Kazuo Koike e Goseki Kojima. Estou no sexto dos 28 volumes e já estou maravilhado, realmente vale a pena.
Os autores vão além do arroz-com-feijão quando se trata de contar histórias de samurai, dissecando a fundo seu código de conduta e seus valores. Por se tratar de relativa paz interna no Japão (leia-se estabilidade política), a classe dos samurai passava por uma transição, onde as artes da espada perdiam importância militar, mas ganhavam importância social. Em meio a esse quadro, um grande número de samurai perderam seu "emprego", ficaram sem senhor, passando a vagar pelas ruas e dedicando-se a outras atividades. Itto Ogami é um desses ronin (samurai sem senhor), e passa a atuar como matador contratado por terceiros, apelidado de lobo solitário.
Até que ponto vai o bushido e a honra dos samurai? Será que se trata apenas de escolher entre o bushido ou o meifumado? Esses são questionamentos trazidos pelos autores, e que em momento algum são levianos.
Além dessa questão, há também a belíssima aula de história dada por essa obra. Questões políticas, econômicas e sociais podem ser apreendidas durante a leitura. O retrato dos costumes e da estrutura social do Japão daquela época é minuncioso, e melhor do que muitos livros de história, creio eu.

Enfim, fica a recomendação aos interessados.




"O homem virtuoso diz:
a alegria mora no lugar onde ela é gerada,
a gratidão jamais se esquece de suas origens,
os antigos já diziam.

O lobo morre e volta a sua cabeça para o morro.
Isso é chamado clemência."

terça-feira, 7 de julho de 2009

Impressões incômodas

Frédéric Chopin - Nocturne No.16 in EbM Op.55 No.2

 


Há pelos cantos da cidade gente de toda sorte. Uns com mais, outros com menos.
Da janela do ônibus observo de passagem os becos e cantos das ruas de São Paulo. Numa mesma viagem vê-se madames, judeus, pobres, ricos, mendigos, avós com seus netos, pais com seus filhos, filhos sem seus pais e netos sem seus avós.

Todos eles têm um objetivo imediato. Uns vão comprar banana da terra no supermercado, outros têm consulta com seus médicos de confiança, outros se dirigem aos bancos, exibindo seus cartões brilhantes, e sacam alguma quantia, outros estão em busca de um canto para estender a mão. Uns entram, e saem com sacolas. Outros, do lado de fora, colocam-se a olhar fixamente os que saem com suas sacolas. Uns sentam e comem. Outros sentam e dormem.
Muitas vidas se entrelaçam pelos cantos da cidade, muitos olhares são trocados.

As impressões atentam para essa pluralidade de realidades.

Nos corredores do mercadinho, mãos se estendem em direção ao mesmo saco de chá.
- "..."
- "Pode pegar, eu prefiro esse aqui do lado."
- "Obrigado. Não deixe a água ferver muito, se não o chá não fica bom!"
Podemos nunca mais nos encontrar, mas por um momento tivemos a intenção de pegar o mesmo saco de chá, eu e aquela senhora cujo nome não perguntei. Ela foi ao caixa 3, eu ao caixa 5. Minha compra deu R$ 21,60. A dela não faço a menor idéia. E sumimos no meio da multidão.

Do outro lado da rua, um quarteto de cordas tocava peças barrocas, fazendo parar alguns e outros transeuntes, dos quais uma limitada parcela deixava alguns trocados no case de violino. Parei um pouco para apreciar, o som era muito agradável. Um lembrete de que tenho coisa parecida em casa, mas que há tempos não ouço. Deixei R$ 0,75 sobre as notas amassadas. Pouco, mas era isso ou R$ 10,00, e por que optei pelos centavos não sei bem responder. Apesar da quantia irrisória, me agradeceram, esboçando sorrisos que julguei verdadeiros, respondi com um aceno e segui meu curso. Há tempos não sentia tanto respeito sendo mutuamente compartilhado.
Bem aventurados, mas mal afortunados aqueles que trilham o caminho das artes.

Senti sede, olhei ao redor e vi a barraca de sucos. Faziam com a fruta inteira, casca e tudo. Eram bastante desorganizadas as pessoas espremidas na barraquinha sentada sobre o asfalto. Pai, mãe, filha, irmã e outras que falhei em identificar. Algum ruído se iniciava do meu lado.
- "Moça, seu suco!", dizia a trabalhadora mais jovem.
- "Eu não falei que queria sem açúcar!!", esbravejou a gorda mulher após levar o copo aos lábios.
- "Ai moça, desculpa, mas aqui fazemos todos com açúcar..."
- "Todos com açúcar, isso não existe! Isso que dá um bando de preto inventar essas coisas!!"
De súbito, a mulher jogou o suco no balcão e saiu. A menina, enrubrescida, foi para um canto se recuperar do ocorrido. Quem sabe se ela conseguiu...
Talvez tenha sido um dia ruim pra a mulher também, talvez algum parente seu tenha morrido, ou ela foi despedida. Um observador externo pouco sabe. Mas uma coisa eu posso dizer, que nada, nada justifica o tratamento dispensado à garota.

Tendo terminado meus afazeres, já era hora de ir embora. Naquela hora, pensei na senhora que me deu conselhos sobre o preparo de infusões. Pensei nos músicos, cujas vidas não devem ser nada fáceis, mas que mesmo assim ainda fazem o que fazem. Talvez por amor à arte, talvez por não terem outra escolha. Pensei na família que se esforça sobre-humanamente nos finais de semana para preparar sucos e levar uns trocados para casa. Pensei na gorda mulher e na sua atitude covarde de atirar o suco ao balcão. E pensei em mim, que tinha vindo até ali para comprar umas revistas, um pacote de chá, um vidrinho de pimenta coreana que havia prometido ao meu irmão e alguns biscoitos para dividir com alguém especial.



E, de repente, pensei em todas aquelas pessoas que fazem das calçadas suas camas, que fazem da sarjeta seus sofás e das pontes seus tetos. Pensei em todas aquelas pessoas que fazem de doses de pinga seus comprimidos para dormir. Em pessoas desprezadas, ridicularizadas e até temidas. Em fantasmas, seres zumbis a vagar pelas ruas, a nos importunar diante das janelas dos carros, pedindo trocados e demonstrações de pena e consideração.

Nós!
Quem somos nós? Quem sou eu?
Quem sou eu para ter pena de gente como eles? Quem sou eu para dar trocados? Quem sou eu para me importar?
Quem sou eu para achar que sou alguém...
Quem sou eu para achar que sou alguém para poder falar deles...para poder falar por eles...

Mais uma vez me sinto incomodado com a situação. Mais uma vez reajo da mesma forma. Mais uma vez o garfo com arroz e feijão que minha mãe prepara fica pesado.
De onde vem esse incômodo, essa culpa? De onde vem essa tristeza diante da condição alheia? E, pior, de onde vem essa falsidade diante do incômodo?
Não sei nada desse mundo, mas escrevo. Escrevo com a aparentemente autoridade de alguém que crê ter poder para um dia ver um outro mundo, mas que descrê das próprias ações, como se fugisse de uma responsabilidade pré-definida.


(...)

E pensei em mim, que tinha vindo até ali para comprar umas revistas, um pacote de chá, um vidrinho de pimenta coreana que havia prometido ao meu irmão e alguns biscoitos para dividir com alguém especial.
E pensei na minha única reação diante da janela do ônibus, indignação covardemente reduzida a duas palavras.

"Que merda..."