Essa noite sentei-me em frente à gaiola dos periquitos que vivem em casa. Fiquei lá por dez ou quinze minutos, observando o que se passava. O branco vinha se sentindo fraco ultimamente, respirava com dificuldade, comia pouco. É o alpiste, pensei. Troquei de fornecedor, mas o pobrezinho não dava sinais de melhora. Me dei conta então que se aproximava de sua fase terminal, dos instantes em que lutaria para sobreviver.
Que será que pensam os passáros ? Seu comportamento parece normal. Cantam e berram o tempo todo, esbravejando suas indignações para com a repressão da gaiola. Fora isso, comem grãos em significativa quantidade e cagam em outra ainda maior, forçando-me a trocar o jornal com certa frequência.
Não sei se conversam, nao sei se estão coçando a garganta. Suas atitudes me intrigam.
Os dois que vivem na cozinha formam um casal, ao menos foi o que me disse o senhor da Cobasi. Mostram sinais de afeto, trocam carinhos, um coça a cabeça do outro. É engraçado, até humano, como gosto de interpretar, de imaginar.
Olhar o branquinho na fase terminal me sensibiliza. É, olhar uma ave morrendo me sensibiliza. Mas olhar um morto-vivo dormindo na calçada me sensibiliza menos que o pássaro. Mas enfim, isso daria outro post...
O passáro se dirige para o canto da gaiola, se encolhe na aresta do cubo que o "acolheu" a vida inteira. Já sabe o que está por vir. Esboça um último suspiro, suas pernas já fraquejaram há tempos. Aos poucos vai deitando. O vai-e-vem de suas penas cessa.
Morreu.
O outro passarinho parece desolado, olha fixamente para o nada. Amanhã vai estar melhor. Cantando e cagando novamente.
Sem mais uma palavra, retiro o corpo da falecida. É hora de tomar banho e dormir, amanhã tem aula. A vida continua, ao menos para alguns.