"A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é resultado da sua própria atividade inconsciente) exprime-se assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo.
A exterioridade do espetáculo em relação ao homem que age aparece nisto, os seus próprios gestos já não são seus, mas de um outro que lhos apresenta.
Eis porque o espectador não se sente em casa em parte alguma, porque o espetáculo está em toda parte"
Assim diz Guy Debord, na trigésima tese de sua obra, "A Sociedade do Espetáculo".
Arriscarrei uma reflexão diante das palavras do escritor francês, tomando minha própria experiência como objeto.
Esses dias parei para pensar no quanto eu sou eu mesmo. Soa vago e infantil, meio que uma digressão oriunda de uma crise existencial como outra qualquer. Mas não. Não se trata de crise.
As palavras de Debord me chamam a atenção para dois aspectos: a contemplação e o espetáculo. Ambos, ao meu ver, se completam, coexistem.
Se eu me perguntar o que quero da minha vida, vou responder que quero viver bem, viver bem materialmente. Pensando dessa forma, a linha faz todo sentido, tudo se encaixa:
Colégio bom --> Faculdade boa --> Emprego bom --> Salário bom --> Necessidades materiais atendidas --> Velhice endinheirada --> Caixão de veludo
(Claro, todo esse materialismo está inserido numa rede social. Embora seja construída em função da finalidade última, é, não obstante, uma rede social.)
Fiz a experiência de, durante corriqueiras conversas, ouvir atentamente porque a maioria dos meus colegas de faculdade fazem o curso que estão fazendo. A resposta é quase sempre a mesma. "Quero ficar rico". Já começa a me parecer uma questão cultural. Mas se olharmos para o que nos rodeia, no que concerne à construção prática de vida, vamos perceber que tudo está condicionado ao materialismo. A infraestrutura de Marx se afirma. Consumo transmuta-se em poder. O consumista se torna o alvo da contemplação, a expressão do espetáculo, o auge do ator social.
O grosso da sociedade ocidental (se é que já podemos excluir os orientais disto) quer ser como ele. Eu quero ser como ele. Comprar, comprar. E contemplar o espetáculo, me tornar o espetáculo. Na TV tudo fica muito mais claro. O Sistema legitima o espetáculo, a contemplação, torna-o parte da vida cotidiana. E não estou falando de capitalismo, trata-se de algo muito mais além, que falho em identificar.
Não quero ser Gabriel, quero ser Richard Gere, Cazuza, Daniel Craig, Rodrigo Santoro, Mingus, Hendrix, o barman, o presidente, o carinha da propaganda... Tudo menos Gabriel, Gabriel é muito sem graça.
Mas quem é Gabriel ? Pego emprestado as palavras de Debord: cada vez mais compreendo menos a minha existência e o meu próprio desejo. Me perco totalmente na espiral do que sou, do que quero ser e do como quero ser.
2 comentários:
intiresno muito, obrigado
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