quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Res Publica

Não costumo falar de política no blog. Não que não discuta algumas coisas por entre alguns copos de cerveja com amigos da mesma idade, que, apesar de muito pouco entender do mundo político e do Congresso, esbravejam ao ouvir falar de Sarney e deste ou aquele partido, irrompendo em xingamentos e teses revolucionárias. Geralmente paramos por aí, passando a discursar sobre cinema ou as peripécias de cada um no dia-a-dia.

Angela Guadagnin, em "Dança da Impunidade" ou "Dança da Pizza"


Os recentes acontecimentos envolvendo os senadores da República me chamaram a atenção para um aspecto mais amplo, mais universal. Entre atos secretos, abuso de poder, clientelismos e um quadro asqueroso de impunidade, reside lá no fundo um ponto mais central: o descaso com a coisa pública.
O Estado democrático, sendo o que é, nada mais é do que o reflexo do espírito coletivo da sociedade, dizem alguns. Sendo aqueles que governam e que legislam os representantes do povo, dir-se-á que a culpa das coisas estarem como estão é nossa. Em última análise, correta do ponto de vista teórico, a soberania reside nas mãos do povo. A própria palavra democracia traz isso em sua etimologia.
Pois bem, acontece que na prática a teoria é outra. E o povo, tal como se encontra hoje, de soberano não tem nada. Essa discussão pode se estender por mais copos de cerveja que as geladeiras do bar podem suportar.

Deixando essa questão um pouco de lado, o que quero enfatizar é o ponto central, o descaso com a coisa pública. Para além da questão da representatividade e do funcionalismo público, o problema se estende também aos fatos mais corriqueiros do cotidiano. Pouco ou quase nenhuma é a consideração que a maioria dos indivíduos tem pelo coletivo. Seja o ato de jogar lixo na rua ou de desviar a verba destinada à merenda das escolas municipais, o que se costuma ver é quase sempre interesses particulares sobrepujando a boa conduta perante a coletividade.
Obviamente, comparar o ato de jogar lixo na rua com o desvio de verbas públicas é bastante forçado, mas a essência permanece a mesma.

Como membro integrante de um centro acadêmico, vejo, numa perspectiva micro, como a estrutura de poder pode ser distorcida. O uso da "máquina pública" visando a satisfação de interesses privados chega a um ponto que torna-se "natural". A visão de que, ao ocupar um cargo de representatividade, um sacrifício até certo ponto, o indivíduo pode dispor de privilégios pelo serviço que "presta" é comum. É algo como um pacto unilateral, onde quem governa coloca-se acima de quem é governado, assumindo privilégios e regalias para si. Passa-se por cima das regras, atirando ao lixo o legalismo e as cartas escritas para manter a imparcialidade e a igualdade jurídica.

"Ah, sou tal e tal, tenho direito a cortar fila ou não pagar por determinado evento".
Eu também gosto dessa idéia, quem não gosta?

Certa feita, uma professora contou uma história que ilustra bem esse fato no Brasil. Por ocasião da Copa do Mundo de 1994, quando a seleção brasileira foi a campeã, os jogadores trouxeram consigo alguns artigos comprados no exterior, mas que excediam o limite de valor possível de ser importado. Ao serem barrados no aeroporto, os assessores entraram em contato com a Receita Federal. O então responsável pela liberação negou aos jogadores a entrada no país, exigindo que pagassem os devidos impostos. A notícia chegou ao gabinete do presidente, na época Itamar Franco, que, passando por cima do diretor responsável na Receita, liberou a entrada dos jogadores com a muamba adquirida. O funcionário da Receita renunciou ao cargo.

É o famigerado "jeitinho brasileiro". Estou longe de ser exceção, antes que o leitor pense que a intenção do texto seja me isentar de alguma responsabilidade. O "descaso com a coisa pública" nesse país é enorme, a lei é lei para alguns, não passando de "juridiquês" bem escrito para outros. À maioria resta a possibilidade de indignação, poucas são as vezes em que passa disso. A persistente impunidade é ainda mais incômoda.

Bom...isso rende, pelo menos, boa matéria para as conversas de bar.


"Garçom, mais um chopp aqui, geladinho, por favor".

4 comentários:

Dani disse...

Somos muito individualistas... Todos ocupados com os seus próprios interesses!!! Por isso, as vezes ficamos cegos! Odeio o tal do jeitinho brasileiro... fico muito revoltada com certas diferenciações e com a maneira de burlar leis ou regras!
Ótima texto: critico e reflexivo!

Déia disse...

Meu nome é indignação... meu sobrenome é vergonha!

Não consigo imaginar como tanta gente indigna possa estar em tão pouco metro quadrado! Gente sem caráter, sem ética, sem escrúpulos...e o povo... Ah.. o povo que se lixe!

Milena disse...

Olá estou de volta!!!
Realmente é tudo um absurdo!!! As vezes me sinto invergonhada!!!! fazer o que né??

Anônimo disse...

Ótima crônica.
Você escreve como quem lê. Deve ser bom de conversar.