quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

"Não fazer nada, porém não deixar nada desfeito"

Sempre me interessei muito pelo Japão. Sua cultura milenar e suas características sociais, principalmente as provenientes da antiguidade, sempre me intrigaram. Talvez porque seja substancialmente diferente da nossa ocidental, clássica, européia.
Lembro-me da primeira (e única, dada a extensão da obra) vez que li Shogun, de James Clavell. Certo capítulo, li algo que, a primeira vista, me pareceu absurdo. Por que porras o sujeito lá se matou por ter se desfeito da peça podre de carne que o Anjin-san ia usar para fins culinários, e que já vinha incomodando todos com os ares perfumados da putrefação? Tudo bem que se tratava de algo que era propriedade de um convidade do daimyo, mas a ponto de justificar um suicídio por parte de um criado...
Aliás, usei a palavra suicídio. O correto seria harakiri, em razão da palavra suicídio remeter a aspectos jurídicos próprios da sociedade ocidental. O que aconteceu não foi que o sujeito se matou, mas "honrosamente acabou com sua vida". É igual, mas é diferente. Com o tempo, e talvez algo mais, acostuma-se com isso.

Pois bem, esses dias peguei um livro de zen-budismo pra ler. Gosto dessas coisas. A religiosidade oriental me atrai muito mais que a ocidental, não sei por que. E, numa das páginas, achei um texto interessante, com um tema já exposto em textos anteriores no blog. Trata-se de uma palestra sobre "impaciência e ansiedade" que o mestre Philip Kapleau ministrou no centro zen-budista do qual faz parte. O texto faz parte do livro "Zen-Budismo: o caminho da iluminação".

"Por que medos e ansiedades emergem mesmo quando se está praticando concentradamente? Claro que pode haver vários motivos. Muitas vezes, pessoas preocupadas com o que farão de suas vidas dizem a si mesmas que há algo que precisam fazer, algum tipo de objetivo que elas necessitam alcançar, algum tipo de ambição que precisam realizar - idéias inculcadas por nossos pais ou nossas escolas. Ou então elas sentem que não tem um lugar apropriado no mundo. Sentem-se vulneráveis, carentes de proteção, facilmente lançadas em estados mentais atemorizantes. Anseiam pela integridade, por um lar, e, muitas vezes, isso se reflete em seus sonhos. É algo que pode se tornar muito doloroso.

Em primeiro lugar, precisamos perceber que a postulação de qualquer objetivo é irreal no sentido de que envolve viver no futuro. Existe sempre uma dualidade: estamos frequentemente pegando o momento presente e dividindo-o, deixando com isso de vivê-lo. Como o futuro ainda não chegou, estamos em uma espécie de terra de ninguém. Isso é uma grande fonte de ansiedade. Primeiro, precisamos aprender a abandonar essa tendencia a postular objetivos e a se entregar a fantasias a longo prazo. Isso não significa parar de planejar atividades que possam requerer planejamento, como cuidar dos filhos, das tarefas domésticas ou das exigências de um relacionamento. Estamos realmente falando de ambições a longo prazo, certos ideais fixos, em nossa mente, que sentimos que deveriam ser realizados, que nos impelem. Se formos capazes de viver no tempo presente, começaremos a ver que essas coisas se resolvem por si mesmas. Pode-se atingir um ponto, digamos, em que se sente a necessidade de maior instrução escolar. Aí você sai à rua e faz as coisas que o permitirão conseguir isso. Se você estiver apaixonado e quiser se casar, fará o que precisar para concretizar isso.

Muitas vezes você ouviu essa citação de Lao-tsé: "Não fazer nada, porém não deixar nada desfeito". Isso corresponde a dizer: "Esteja totalmente presente. Deixe as coisas emergirem de sua atenção e da atividade que brota dela, agora. Não aposte em planos a longo prazo; eles são todos irreais". Os japoneses têm um ditado: "O diabo ri de quem planeja para o ano que vem" ou algo semelhante. Embora isso possa parecer extremo, no fundo é a pura verdade."


Não sou budista, embora ache vários aspectos do budismo interessantes, principalmente do budismo soto-zen japonês. Mas o texto é de fato instigante, ainda que o discurso esteja um tanto passado.
"Não fazer nada, porém não deixar nada desfeito". Essa é uma frase que guardarei por um tempo.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Pequenas, mas não menores

Hoje eu penso. Penso nas pequenas coisas da vida. Afinal, nada mais clichê para um post de blog como as pequenas coisas da vida. E outro viva à cretinice (já são dois até agora).

Pequenas coisas como ligar o rádio antes do carro, como parar pra amarrar o cadarço. Ou como comer a batatinha antes do Big Mac. Suco ou refrigerante? Hoje tanto faz, vamos de milk shake.
Pequenas coisas como sair com sua mãe pra comer sorvete; convidar alguém pra tomar um café; ajudar seu avô a consertar a cadeira velha; elogiar uma refeição; conversar com o garçom; dar o lugar no ônibus pra alguém, independente da atração física.
Ou então como desenhar uma bicicleta na areia, bater palmas depois de um discurso ou dar risada de boca cheia. Coisas como fazer um brinde por algo acontecimento que se ache relevante ou como comer sentado na escada. Rir de alguém com uma roupa engraçada ou até mesmo vestir uma e sair por aí.
Coisas como confortar um amigo e ter convicção suficiente para chamá-lo como tal.

Há tantas delas...e tantas que passam despercebidas, perdidas por entre nossas preocupações, angústias, medos, expectativas.
Ao parar pra ver a expressão e o significado por trás de cada pequena coisa que me acontece, faço um exercício interessante. Vejo que, na maior parte do tempo, encaro o mundo como se girasse ao meu redor. Pensar que as coisas acontecem em função do que eu espero delas é falho. Meu egoísmo é uma das fontes de frustração, senão a maior delas.
Tenho tentado mudar minha relação com as pequenas coisas. Certamente viverei melhor.



Se colocar diante das pequenas coisas, ou colocá-las diante de si ? Esse é o ponto.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

A voz de Chet Baker



Chesney Henry Baker Jr.

Nascido em Yale, Oklahoma, é decerto um sujeito com uma sensibilidade diferenciada.
Poucos músicos (da curta extensão dos que conheço) possuem a sensibilidade que possuía Chet Baker. Principalmente quando se trata de jazz, onde a improvisação é que caracteriza a alma daquele que toca.
Baker improvisava com um sentimento, para mim, acima da média. Avesso às partituras e aos virtuosismos, era econômico na execução de seu trompete, o que não lhe impedia de construir melodias absolutamente fantásticas e envolventes.

"I get along without you very well" é simplesmente brilhante. Composta por Hoagy Carmichael, assume na voz de Baker um tom único, sussurrado, pacífico, fotográfico. Perfeito para um fim de tarde, após um dia cansativo.



I get along without you very well, of course I do;

Except when soft rains fall and drip from leaves, then I recall
The thrill of being sheltered in your arms, of course I do.
But I get along without you very well.

I've forgotten you, just like I should, of course I have;

Except to hear your name, or someone's laugh that is the same.
But I've forgotten you just like I should.

What a guy! What a fool am I?
To think my breaking heart could kid the moon.

What's in store? Should I 'phone once more?
No, it's best that I stick to my tune.

I get along without you very well, of course I do;

Except perhaps in spring, but I should never think of spring
For that would surely break my heart in two.


Ao despencar da janela de um hotel, Baker morre trágica e misteriosamente em 13 de Maio de 1988, aliás ano de meu nascimento.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Hospitalidade

Finalmente é 2009. Começa mais um ano, ou melhor, mais um calendário.
Chegou por correio esses dias um desses da Udiaço. "Na medida para sua construção!", diz a empresa. Seja lá o que isso signifique.
Acho que também chega um do Corecon, talvez da frutaria da esquina. Todos gostam de dar calendários, com mensagens que fidelizem o cliente, de preferência.
Calendarismos à parte, vou ao que interessa. O texto de hoje é algo como uma homenagem, mais como um reconhecimento de algo que me chamou muito a atenção nesse final de ano.

Em resumo, celebrei o ano novo com a família de um amigo.
É um tanto difícil qualificar e até mesmo quantificar o quão bem recebido eu fui naquela casa. Isso sem contar que éramos cinco, mais duas amigas da irmã do anfitrião. Ao todo, a soma era de nove cabeças. Isso significa nove vezes mais barulho, mais comida, mais bebida, mais papel higiênico, mais qualquer coisa. No final, realizei que aquela família tem uma hospitalidade muito maior que nove vezes uma hospitalidade normal.

A definição formal de hospitalidade, segundo o Michaelis, é:

Hospitalidade
hos.pi.ta.li.da.de
sf (lat hospitalitate) 1 Ato de hospedar. 2 Qualidade de hospitaleiro. 3 Bom acolhimento dispensado a alguém. 4 Agasalho dado a hóspedes.


De fato, a quarta definição michaeliana é brilhante, dicionário bom é outra coisa.
A título de curiosidade, procurei também no Cambridge:

Hospitality
noun [U] 1 when people are friendly and welcoming to guests and visitors; 2 the food, drink, etc. that an organization provides in order to keep its guests happy:


Entretanto, a hospitalidade daquela família foi muito além do "bom acolhimento". A impressão que ficou em mim era a de que realmente fazíamos parte de tudo aquilo, de que já éramos família. Mesmo criando uma zona de guerra em plena madrugada não criou nos anfitriões a iniciativa de tomar qualquer providência maior. Quebramos a barreira do bom-senso, mas sem maiores sanções.
Acho que "fazer os outros sentirem-se à vontade, até demais", se encaixaria numa definição para hospitalidade. Pelo menos no caso dessa grande família.

Creio que o mundo seria um pouco melhor se fôssemos um pouco mais hospitaleiros, tanto para com os outros quanto para com nós mesmos.
Aliás, lembrei-me do que me disse um amigo que cursa hotelaria. "Fechei Hospitalidade Comercial II com 8.2 !". Ao menos dá algum sentido à segunda definição cambridgiana.