Enxergar do outro lado da janela se apresenta como tarefa hercúlea, decorrente do meu próprio ego, um exercício de falsa humanidade. Finjo que enxergo através do vidro, que compreendo o movimento das folhas no campo mais à frente. E como isso me satisfaço, me isento de maiores responsabilidades e preocupações.
Como tomar ciência de meus fantasmas? Como encarar os medos e angústias? Como lidar com minhas preocupações e expectativas? "Navegar é preciso", diria um sábio homem. Navegar é preciso...
Estudar economia pode ser por vezes muito perturbador. Há matérias como "Formação Econômica e Social do Brasil", "Economia Brasileira Contemporânea", tópicos como "Teoria do Subdesenvolvimento", "Desigualdade de Renda e Pobreza", entre tantos outros de nomes opulentos e imponentes. A perturbação decorre não da dificuldade existente, mas sim da carga de responsabilidade que essas matérias trazem no nome.
O que cabe ao estudante que opta por estudar o subdesenvolvimento e a pobreza? Entendê-los? Elaborar teses e artigos sobre as razões da baixa produtividade da economia somaliana? Teses essas acessíveis apenas à comunidade acadêmica, dada sua linguagem e caráter elitista?
As limitações à ação e os horizontes de mudança parecem muito distantes, muito pouco paupáveis. Chegam a ser desanimadores.
Diante desse quadro, rio da minha própria postura.
Por mais que me interesse pela "formação econômica e social do Brasil", minha preocupação depois da aula é com a composição do meu almoço, cuja delonga não pode ultrapassar 25 minutos. Depois tenho francês, e o ônibus demora um bocado. "Não posso me atrasar", é a conclusão que tiro.
Isso quando não há festas. É nelas que nego tudo aquilo que me propus a ser. É nelas que afirmo e reafirmo a minha futilidade, a minha mediocridade.
Claro que é impossível se comportar da mesma maneira sempre, mas isso não invalida a auto-cobrança.
Já participei de projetos sociais, de iniciativas de ONGs e coisas afins. O resultado foi sempre o mesmo. Vou, faço o que me é passado pra fazer, me sensibilizo com a situação, me despeço das pessoas e volto à minha vidinha onde tudo se encaixa.
A comparação entre as realidades que se vivencia é inevitável. Durante algumas semanas após os trabalhos sociais, eu não conseguia jogar comida fora, jogar lixo no chão ou reclamar com minha mãe por ter arroz e feijão no almoço de novo. Passados alguns meses meu comportamento vai contradizendo as coisas que vivenciei.
Não que eu não tenha realmente mudado em alguns aspectos, mas ainda sim...
E pior! Eu volto dessas experiências achando que "ah! Agora compreendo o mundo!".
Não! Eu não compreendo o mundo, eu não conheço o mundo. E não é fazendo matérias como "Formação blá, blá, blá" que eu vou entender o Brasil e poder tirar conclusões sobre ele.
Até onde vai minha "consciência social"?
Até onde vai minha "intelectualidade"?
Até onde vai minha "compreensão da realidade"?
Até onde vai minha "ação individual"?
São mais exercícios egoístas.
É mais do mesmo.
4 comentários:
mediocridade: disso eu entendo.
um conselho: mastigue bem os alimentos. 25 minutos ainda é pouco pra um almoço.
bjs!
Poderia dizer que te entendo.. mas realmente não faço a menor ideia! Nunca fui mto boa em entender os sentimentos dos outros, uma vez que não entendo nem os meus. As vezes penso se a janela da minha alma, na verdade não passa de um espelho.
Mas acredito em voce, no que diz, e quase tomo como ensinamentos. E digo mais, tomar uma postura já é fazer muito! As vezes achamos que não fazemos diferença, porque sempre pensamos grande e esquecemos que na verdade as pequenas coisas que nos moldam. Sempre fazemos alguma diferença no mundo, só que somos muito humildes para assumir e os outros muito orgulhosos para nos contarem.
.. mas isso é só o que eu acho.. o que estavamos falando mesmo?
bjoss
[adoro os seus textos, sempre me faz pensar em algo q já me aconteceu.. só q mto mto mais profundos! me da vontade de escutar suas teorias sobre a vida!]
Oieeee!!!
Sim, milagres acontecem... estou eu aqui voltando ao blog way of life!!
Bueno... soa um pouco familiar o tema... mas ainda nao tinha comentado nada acerca, apenas falei, mas nao fiz reflexoes que pudessem colocar em palavras solidas.
Sim, sabemos bem sobre esse assunto... mas talvez, como voce mesmo disse, nao seria pesado carregar tudo para si? Hoje penso que nos minimos detalhes ja estamos fazendo alguma diferenca. E sim, isso é muito vago e a gente acaba nao se contentando com isso.
Mas so de a gente poder entender o proximo, faze-los rir, confiar nas pessoas e dar forca a elas ja é uma ajuda, ja é um ato nobre e um jeito de mostrar a elas que elas tambem podem fazer o mesmo pelo outro. Nao seria bom, se todos pudessem fazer isso?
Temos que fazer o que esta ao nosso alcance. Se mais tarde, quando ficarmos adultos, tivermos a chance de fazer mais, por que nao?!
Beijaaaao
Seu blog é link em quase todos os blogs paulista(no)s que eu leio.
E o sr. escreve muito bem!
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